domingo, 31 de outubro de 2010

de Miguel Torga

Sei um ninho
e o ninho tem um ovo
e o ovo redondinho,
 tem lá dentro um passarinho
novo.

Mas escusam de me atentar
nem o tiro, nem o ensino.
Quero ser um bom menino
e guardar
este segredo comigo
e ter depois um amigo
que faça o pino
 a voar...
                                                   
    Homenagem a esta linda encadernação

Hoje estou decidida.
Vou fixar só os momentos bons da minha vida!
Quero encher-me dessas datas alegres,
e analisar o que elas fizeram em mim!

Aconteceu que não foi possível
separar as datas alegres,
daquelas que foram tristes.
Como num puzzle,
para reconstruir a minha vida no seu todo,
elas tiveram que estar no lugar certo,
sempre patentes cada uma em seu canto!

Por dedução,
importa ambas aceitar.
É exactamente por esse ajuste deliberadamente encontrado,
que com ambas as mãos construi a minha Vida!

sexta-feira, 15 de outubro de 2010




Fica tudo às escuras.
As vozinhas saudavelmente desafinadas
fazem-se ouvir
em toada esganiçada.
Dentes ausentes daquelas boquinhas
não fazem falta,
nem às pipocas
nem às batatinhas.
O bolo tenrinho de velas acesas aparece,
como por encanto.
Desperta a gulodice das amigas da Rita,
que gritam...gritam...
-Parabéns a você!
A Rita estica os beicitos.
Aguenta a coroa na cabeça.
Concentra-se.
Enche as bochechas de ar.
E... numa só vez apaga a 5 velinhas.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010


estou a deixar que o outono
tome conta de mim
não reajo
ao dia opaco e cinzento
a folha cai baloiçando
na doce dança do tempo esgotado
pousa no banco
num abandono justo
de quem viveu
e cumpriu sua promessa
de nascer na primavera
tenha eu prestado também meu contributo
serenamente
segundo a lei da natureza mãe.

domingo, 10 de outubro de 2010

desapontamento...

                                                                                             (Teresa Ribeiro)

Pobres passarinhos!
Voavam os dois no céu cor de cinza.
Já vinham de longe.
Pousa aqui.
Pousa ali.
Num voar atabalhoado
a insinuar um derriço
subiam e desciam.
Ouvia-se o bater de asas,
e o piar afinado chegava ao ouvido
quando o voo era razante.
Umas pingas grossas
de uma chuva que os assustou,
obrigou-os a pousar nos rochedos
enfeitados de limo
rodeados de algas.
Havia que terminar o passeio.
Desconsolados cada um procurou seu ninho.
E assim terminou aquele voo de enamoramento.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

aconteceu...


Enquanto estou a fazer coisas que não me obrigam a muita ponderação,
como descascar batatas por exemplo, pela minha cabeça passa, como num filme de curta ou longa-metragem, toda a espécie de pensamentos.
Um dia lembrei-me de um desenho que a Joana fez, e, resolvi examiná-lo.
Havia nele qualquer expressão, que me foi familiar!
Aquele cabelo arrumado atrás da orelha!
Uma sobrancelha um pouco desnivelada da sua parceira!
O olhar pousado não sei onde, mas numa mira de que nada lhe escapa!
Uma ligeira inclinação de cabeça!
Um sopro de timidez!
Mas em simultâneo uma contraditória aura de determinação!
Uma natural serenidade!

Fiquei a pensar...
Eu conhecia aquela cara de qualquer lado!?
Conhecia...conhecia!