sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

mais uma vez Miguel Torga

Pois eu gosto de crianças!
Já fui criança também...
não me lembro de o ter sido
o que fui sabe-me bem.

É como se de repente
a minha imagem mudasse
no cristal de uma nascente.
E tudo o que sou voltasse
à pureza da semente.

de Miguel Torga



Não tenhas medo,ouve:
É um poema
 um misto de oração e de feitiço...
sem qualquer compromisso,
ouve-o atentamente,
de coração lavado.
Poderás decorá-lo
e rezá-lo
 ao deitar
ao levantar,
ou nas restantes horas de triteza.
Na segura certeza
de que mal não te faz.
E pode acontecer que te dê paz...

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

O guarda-chuva vermelho


Ainda menina,
tive no Natal um guarda-chuva vermelho.
O meu primeiro guarda-chuva!
Nesse dia não choveu.
Passeei-me no jardim,
olhava os céus e pedia chuva ,
e a chuva não vinha.
Tinha por companhia umas figuras imaginárias,
que me inspiravam longas conversas
e nunca me sentia só...
Mas eu só tinha medo
que a chuva caísse lá para o sítio delas
e nenhuma pinguinha molhasse o meu guarda-chuva vermelho.
Hoje lembrei-me de tudo isso.
E acabei num soluço de saudade...

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Fim de tarde


Olhando esta fotografia que sei tirada no Parque da Cidade apeteceu-me escrever isto...

As mães patas e seus filhotes,
depois do banho naquele lago que lhes pertence,
reuniram-se em circulo, com suas crias, ao centro, bem vigiadas,
para uma troca de impressões...

A tarde corria serena,
o sol não era abrasador,
e até uma timida aragem completava a tranquilidade.

Os patinhos pequenos,
com seus bicos ainda tenros, enterrados entre as penas fofinhas,
espremiam a água que lhes ficara do passeio do lago.

As mães talvez conversassem das suas vidas,
dos cuidados a ter com alguns visitantes,
que as levavam a habituar os seus filhos a nunca se afastarem dos seus olhares.

Mas há alguém que se aproxima de máquina fotográfica apontada ao melhor ângulo!
Uma dá pela presença de qualquer coisa que a faz prevenir as outras...
Todas lançam um grasnar autoritário, decidido,
e dirigem-se para o lago, com a atenção posta nos seus rebentos!

Mãe é assim...
antes de tudo seus filhos!
Posted by Picasa

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Descascar marmelos...



Aqui está o cesto cheiinho de marmelos,
bem amarelinhos e perfumados.
Escolhe-se a faca de lâmina mais curvada de tanto uso,
e de ser afiada no degrau de granito da entrada da cozinha.
Que cabo deselegante!
Muita mão o segurou firme, com cautela,
não fosse escorregar na direcção de um dedo!
Ao lume a avantajada panela,
esperava os marmelos partidos em quartos,
e o açúcar calculado, a olho bem certeiro.
Que regalo quando começa a ferver.
A borbulhar que nem vulcão!
Mas de tudo, tudo, o que eu nunca esqueci,
foi o gesto guloso de pegar na colher de pau,
tirar da panela um bocadinho de marmelada, já engrossada,
deixar arrefecer,
enterrar o dedo indicador,
enfiá-lo na boca
e até fechar os olhos p´ra melhor lhe apanhar o gosto!

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Na sombra dos nenúfares

                                                                                                                                (Teresa Ribeiro)

Eu sei que debaixo destes nenúfares se escondem peixinhos vermelhos
e sei porque vi um que surgiu
deu uma guinada
e logo desapareceu...
Continuei na beirinha do lago
sem me mexer, estática,
e num contido silêncio.
Mas peixinho...nenhum!

Não entendo porque não voltou!?

Eu não tinha nenhuma frigideira nas mãos!

Só queria deliciar-me com o bailado do seu flutuar.
Que dava um alegre colorido encarnado,
àquele lago de limo esverdeado!

sábado, 11 de junho de 2011



Nunca tinha visto uma flor assim!
Exótica.
Complicada.
Desconcertante no seu emaranhado!
Pensei nos inúmeros e magníficos pintores da natureza,
mas que nem sempre estão ao meu alcance.
Esta flor estava ali,
parecia à minha espera!
Com cuidado, toquei-lhe com a ponta dos dedos,
não fosse desfazer aquele encanto.

Pensei em Deus Criador.

Não disse uma palavra;
Só a ave cantou oculta no arvoredo...

se eu me sentasse no banco
pousasse a carteira a meu lado
nas traves de madeira apoiasse as costas
cruzasse as pernas 
e lançasse um suspiro,
eu sei o que o se seguiria...

No mesmo instante
a brisa suave do vento
que punha a mexer as folhas verdes e tenras
seria a minha companhia
e nada mais estaria ali comigo...

Naquele lugar tranquilo
uma paz me envadiria
e eu deixava que ela me preparasse
para aceitar
sem reservas:
as lutas
as impaciências
o desânimo
e a pena de sentir a velhice a tomar conta de mim!

terça-feira, 26 de abril de 2011

Joana Mota muda de casa...

 
De tudo há um começo.
Um entretanto lhe segue.
 
Por aí vamos,
na estrada da vida
desde o dia em que largamos
(sem o ter escolhido)
o conforto daquela bolsa de água materna
onde gozamos um primeiro colo.
 
Nesse "entretanto"
transportamos em sacos
todas as vivências
que uma força interior
foi acumulando ao longo dos anos!
 
Que voz imperativa nos chamou!?
Seria o amor que buscávamos!?
Ou a confirmação do que seríamos capazes de conquistar!?
O tempo passa.
 A morte ameaça,
mas dentro dos sacos,
vão nossos tesouros conseguidos,
mais um pouco de sol
para aquecer os dias que nos restam...

sexta-feira, 15 de abril de 2011


Aleluia

Com flores de redodendro cor de fogo
anuncio aos sentidos
o milagre
da ressurreição.
E o Cristo vivo, em que se transfigura
a mail vil criatura
que atravessa a praça,
é como uma graça
a mais da primavera.
Ah! quem pudera
todos os dias
olhar o mundo assim, repovoado
de fraternidade,
quente dum sol desabrochado
em cada pétala da realidade! 

(de Miguel Torga)